quinta-feira, dezembro 01, 2005

Os Estudos de Barbie e Ken*

Barbie e Ken: um casalinho. Esta é a imagem tradicional aceite pela grande maioria das pessoas. Porém, a verdade é que muito pouco se sabe sobre o teor da relação entre os dois, embora o assunto seja estudado por milhares de interessados, especialistas e leigos, um pouco por todo o mundo. Aparentemente são um casalinho e, a julgar pelos sorrisos plásticos estampados (literalmente) nas suas caras, são felizes assim. Mas há suspeitas de que o casalinhismo seja apenas aparente, e que a realidade seja diferente.

Para melhor compreender esta questão aqui fica uma breve resenha histórica do que é actualmente conhecido como os Estudos Barbie e Ken (Barbie and Ken Studies - BKS):

1) A Creche de Viena
Os teóricos da Creche de Viena foram os primeiros a falar das "Ciências da Barbie e do Ken" (Barbie-und-Ken-wissenschaften). Este grupo de crianças, filhos de eminentes filósofos, matemáticos, físicos, médicos, psicanalistas, e um homem do talho, reuniam-se regularmente numa sala no fundo da creche que frequentavam. As reuniões semanais decorriam normalmente entre a sesta e o lanche, às sextas-feiras à tarde. O problema de Barbie e de Ken surgiu-lhes naturalmente durante uma brincadeira em que se assumia que Barbie e Ken eram um casalinho quando uma das crianças perguntou aos outros "Mas, caros colegas, notai como estamos a postular infundadamente uma relação necessária e suficiente entre Barbie e Ken, que denominamos de 'casalinhice'... E isso não passa de especulação metafísica!" A clareza conceptual do filho do homem do talho converteu imediatamente o resto das crianças e o estudo atento desta questão começou.
A teoria original da Creche de Viena (publicada no início do século XX como "Manifesto da Creche de Viena") sugere que Ken é na verdade gay e paga a Barbie para fingir ser sua namorada. Isto deve-se ao facto de ele ser o único herdeiro de uma fortuna milionária proveniente de um falecido tio-avô que tinha a particularidade de ser terrivelmente homofóbico e portanto impôs como cláusula da herança a manutenção de uma relação heterossexual por parte do sobrinho-neto. Esta teoria têm a vantagem de explicar como é que a Barbie tem dinheiro para ter tanta roupa de marca, carros, imóveis, jóias e outros acessórios. Explica também o facto de por vezes as crianças vestirem o Ken com a roupa da Barbie e ele gostar (sabe-se que gosta porque ele continua a sorrir).
Alguns autores da Creche de Viena acabaram por se separar do movimento original devido a incompatibilidades intransponíveis. Por exemplo sabe-se Sigmund Fralda sempre se mostrou reticente em relação à perspectiva da Creche, tendo criado o seu próprio jardim de infância que procurava descobrir a verdade acerca de Barbie e de Ken a partir de perspectivas psicanalíticas. O seu método consistia em colocar os bonecos em mini-divãs e pedir-lhes para falarem sobre o que lhes viesse a cabeça. A partir destes estudos Fralda concluiu que Barbie e Ken tinham mecanismos de defesa extremamente poderosos, resistindo completamente ao procedimento e ficando calados o tempo todo. No entanto Fralda crê que Ken e Barbie são irmãos, sendo a ideia comum de que eles constituem um casalinho uma violação fantasmática do tabu do incesto – ideia inicialmente apresentada no seu livro para colorir “Três Ensaios sobre a Sexualidade de Barbie e Ken”.

2) A dissensão fundamentada – Rex e Steinein
Rex, o cão polícia, foi desde a sua cachorrice na Academia para Agentes Caninos um ávido leitor dos autores da Creche de Viena. Apesar de não possuir instrução universitária formal, as suas leituras e a sua experiência em trabalho policial de campo permitiram-lhe avançar uma teoria arrojada que o deixou conhecido como o principal reformulador da teoria da Creche de Viena. Rex afirma que na verdade a teoria da Creche de Viena é composta por duas teses: (a) a tese da herança, que postula que Ken é herdeiro de uma herança milionária, e (b) a tese da homossexualidade, que afirma que Ken é gay.
Rex continua a defender, como os seus antecessores, a tese da herança, mas considera infundada a tese da homossexualidade. Para ele não há evidências fortes que apoiem esta tese e (este é o seu argumento principal dada a sua capacidade olfactiva) não lhe cheira. Como alternativa Rex propunha que Ken financiava estudos biotecnológicos e que Barbie foi clonada múltiplas vezes, sendo os diversos clones criados em ambientes específicos. Esta teoria explica portanto a multiplicidade de Barbies existentes (Barbie noiva, Barbie cidade, Barbie campo, etc.).
É extremamente interessante que esta teoria preveja grandes descobertas científicas posteriores como a estrutura do DNA, a clonagem e a espantosa capacidade dos multimilionários fazerem o que bem entendem sem ter de prestar contas a ninguém.

O físico alemão Steinein, por sua vez, aceita a perspectiva da Creche de Viena, mas considera que esta apenas descreve o funcionamento de Barbie e de Ken em determinadas situações – nomeadamente ao nível macroscópico dos objectos com os quais lidamos normalmente no dia-a-dia. Para esclarecer a sua posição Steinein propõe a seguinte experiência: Um observador A vai num combóio que viaja no sentido Norte-Sul a 100 km/h e tem uma Barbie na mão. Neste comboio existe um dispositivo que dispara Kens no sentido Sul-Norte à mesma velocidade. Quando o Ken é disparado, o observador A vê a Barbie parada e é Ken que vem ter com ela. Porém considere-se um observador B que está num apeadeiro no qual o combóio não efectua paragem. Se o Ken for disparado no momento exacto em que o combóio passa pelo observador B, este verá o Ken parado e a Barbie a ir ter com ele. Agora vamos supor que um revisor de bilhetes de combóio frustrado C aproveita o tempo em que o observador A vai à casa de banho para alterar a velocidade de disparo do dispositivo que dispara Kens e o programa para disparar Kens à velocidade da luz. Quando o observador A regressa e o comboio passa pelo apeadeiro do observador B, Ken é disparado e, segundo a fórmula E=mc2, transforma-se em energia. Assim, embora o observador A possa aperceber-se da situação, o observador B só vê a Barbie sozinha, e portanto não pertencendo a um casalinho. Esta é a chamada Teoria da Relatividade Especial de Barbie e Ken.
Esta linha de investigação, embora promissora, foi no entanto descontinuada após inúmero protestos da Sociedade Protectora de Brinquedos contra a desintegração de Kens por aceleração até à velocidade da luz.

3) A viragem sociológica – os Estudos da Barbie e do Ken (BKS)
Apesar do grande impacto da Creche de Viena e de Rex no conhecimento acerca de Barbie e de Ken alguns académicos de jardins de infância de vários pontos no mundo desenvolveram linhas de investigação alternativas. Comum a todos eles existia a pretensão de estudar empiricamente a Barbie e o Ken, ao contrário dos seus predecessores que haviam proposto apenas teorias a priori que não eram sujeitas a provas científicas. Assim, para esclarecer se Barbie e Ken são ou não um casalinho, é necessário investigá-los cientificamente e a sociologia foi a disciplina que mais contribuiu para esse esforço. Foram escritas obras clássicas como “A Divisão do Trabalho Social entre Barbie e Ken” e “A Ética Protestante de Barbie e o Espírito Capitalista de Ken”.
Embora a questão fundamental permaneça ainda por responder, esta linha de investigação trouxe contributos importantes ao conhecimento sobre a Barbie e o Ken. Sabe-se hoje que ambos pertencem a um estrato sócio-económico elevado e que ambos são excelentes veículos de transmissão de estereótipos de género.

4) A neurociência de Barbie e Ken
O progresso neurocientífico do fim do século XX trouxe um novo alento aos Estudos da Barbie e do Ken. Embora existam ainda poucos estudos deste teor, as técnicas de imagiologia cerebral funcional permitem monitorizar em tempo real as alterações cerebrais de Barbie e Ken quando colocados em variadas situações. Assim será possível estudar o que se passa dentro da cabeça de Barbie e Ken sem ter de a desencaixar do corpo. Os especialistas estão entusiasmados com as hipóteses abertas e sabe-se que governos de vários países já aprovaram planos de financiamento para esta área.

Conclusão
Apesar do estado de conhecimento actual ainda não permitir afirmar com total certeza que Ken e Barbie não são um casalinho, cada vez mais pessoas acreditam nisso e acredita-se que dados conclusivos possam surgir em menos de 10 anos.
Inflige-se assim mais um golpe na vaidade humana: Copérnico mostrou que a Terra não é o centro do universo astronómico, Darwin mostrou que o ser humano não é o centro do universo biológico e Freud afirmou que a consciência não é o centro do universo psicológico – o quarto e talvez mais violento golpe à vaidade humana mostra que ser um casalinho não é o centro do universo de Barbie e Ken.


* - Os conteúdos do presente texto são ficcionais, embora reciclem uma série de factos históricos. A utilização de nomes eventualmente protegidos por direitos comerciais tem objectivos exclusivamente humorísticos e não-comerciais. Nenhuma entidade associada a esses nomes financiou (infelizmente), validou, ou (pelo que sabemos) sequer tem conhecimento destes conteúdos. Se o presente texto estiver a violar alguma lei é favor avisar.